quarta-feira, janeiro 25, 2006

A 100 à hora - Capítulo 1

Capítulo 1

por: Orlando Dias Agudo



Não ia com pressa...
Rodava à velocidade máxima permitida naquela auto-estrada, não obstante o carro como o piso convidarem a carregar no acelerador...
Não era ainda noite, a viagem iria demorar ainda umas horas, as suficientes para imaginar como seria aquele fim de semana, longe do escritório, dos casos ainda por resolver, das estratégias a aplicar em cada um dos julgamentos que já tinham data marcada.
O sucesso que tivera nos primeiros julgamentos, transformaram-me num advogado muito procurado, fazendo engrossar talvez depressa demais, a minha carteira de clientes. Agora, era tempo de parar umas horas, gozar os prazeres de um fim-de-semana prolongado, sem agenda, sem compromissos, sem horas marcadas para o que quer que fosse.
A auto-estrada não estava muito concorrida; podia até dizer-se que ela era toda minha, já à minha frente não rolava mais nenhum carro e, vindo de trás, nenhum outro ameaçava ultrapassar-me.
O corredor escuro de betão era todo meu...
Tanto mais que, não tendo necessidade de rasgar estradas citadinas, podia olhar despreocupado para a paisagem que não via há tanto tempo: campos de cultivo verdejantes ondulando ao sabor do vento de fim de tarde, aqui e ali uma ave que saia do seu refúgio de calor e voava para outra sombra que seria a sua cama da noite que não tardaria a chegar....
Foi então que vi, parado na berma da auto-estrada, um outro carro; e, a seu lado, uma mulher fazendo sinais, pedindo certamente ajuda. Parei uns metros mais à frente e pelo espelho retrovisor, apercebi-me que se tratava de mulher mais ou menos da minha idade, vistosa, bem vestida, cabelos compridos que esvoaçaram enquanto corria para junto do meu carro.
-Desculpe....mas talvez me possa ajudar....
- O carro pregou-lhe a partida...
- Não sei o que se passa....vinha a andar e, de repente, ouvi um barulho estranho e parou...e começou a deitar fumo do motor....
-Vinha depressa demais, certamente....
-Não posso dizer que vinha devagar....mas já tenho andado mais depressa....
-Vamos lá ver se consigo resolver o seu problema....

Sai do carro e dirigi-me ao bólide que se recusava a andar. Era um potente carro, topo de gama, não muito usado, talvez o ultimo modelo da marca que eu, em jovem, sonhava ter um dia. Pedi-lhe para se sentar e para abrir o capot. Fê-lo de uma forma dir-se-ia que estudada. Quando se sentou, a saia travada que usava deixou ver um bom naco de perna, não sendo necessário ser especialista no assunto para logo se adivinhar o desenho perfeito do seu perfil. Quando abriu o capot, ofereceu-me um sorriso das mil e umas noites, através de uma boca feita para beijar, lábios carnudos muito bem pintados, enquadrados nuns olhos verde-esmeralda que chegavam para pensar noutros convites....
Depressa cheguei à conclusão que sem um arranjo muito profundo, aquele carro não sairia dali pelos seus próprios meios. E disse-lhe sem qualquer espécie de reservas:
- O seu carro adoeceu gravemente....
- Acha que não consigo sair daqui?
- No seu carro certamente que não....
- E agora, que posso fazer?
-Acho que o melhor é fecha-lo bem...e vir comigo até à cidade mais próxima. Lá encontraremos alguém que o venha buscar e que lhe substitua a peça que partiu...Quer aceitar a oferta?
- Fico muito agradecida, mas a cidade mais próxima ainda fica longe....
-É para onde vou.
-Nesse caso, se quiser ter essa amabilidade....

Foi ao porta-bagagem, tirou a pequena mala que transportava e sentou-se a meu lado. Confirmei, nesse entre tempo, que era uma mulher dos pés à cabeça. Com as curvas nos locais próprios, alta, loira, bonita até. Instintivamente olhei para a sua mão esquerda: lá estava uma aliança de casada, não muito velha, sinal de que não morava ali há muito tempo....
Durante os primeiros quilómetros permanecemos em silêncio. Depois, foi ela quem tomou a iniciativa....
-Espero não estragar a sua viagem....
-Não estraga,,,, digamos que até quebra a monotonia em que vinha....
- Faço esta viagem todos os fins-de-semana, e esta é a primeira vez que me acontece ficar parada no meio do caminho...
- Às vezes acontece...vai passar o fim-de-semana com seu marido?
-Que o leva a pensar isso?
-Sei lá...apenas dedução....
-Não, não vou ter com meu marido....Esse foi para fora do país, um congresso qualquer....eu venho para passar uns dias sozinha, tranquila, sem nada de concreto para fazer...sem horários, sem compromissos, apenas e só descomprimir....
-Exactamente como eu....só que não tenho mulher, portanto não tenho que pensar o que ela estará a fazer em qualquer local....
- Solteiro?
- Sim...ou antevissem querer, casado com a minha profissão....
-Posso saber qual?
-Advogados você?
- Professora universitária, porém sem exercer...
- Por opção?
-Pode-se dizer que sim....

Aos poucos fomos fazendo o retrato de cada um de nós. Fiquei a saber que o marido era um investigador que passava mais tempo no estrangeiro do que em casa e que ela começava a sofrer as consequências de um casamento pouco assistido se valia a pena dar assistência àquele casamento, pensava eu....
Ao fim de duas horas, mais minuto menos minuto, chegámos finalmente à cidade onde eu ia ficar naquele fim-de-semana. Já era noite, não encontrámos nenhuma oficina aberta, pelo que só no dia seguinte poderíamos tentar resolver o problema do seu carro.
-Suponho que tem onde ficar...- quis saber.
-Tenho casa aqui. Este é o meu refúgio quando faço pausa de mulher casada...E você, onde vai ficar?
-Tenho reserva no hotel...Não venho muitas vezes, por isso não posso ter casa própria...
- Se meu marido cá estivesse, convidava-o a ficar em nossa casa, mas assim....
- Agradeço na mesma....mas vou para o meu hotel. Mas primeiro deixo-a em casa para amanhã podermos tratar da oficina....
-Fico-lhe muito grata....

Deixei-a na casa que indicou ser a sua: uma pequena casa de praia, com piscina privativa e, adivinhava-se, mobilada com gosto. Combinámos tudo para o dia seguinte: quando acordasse telefonava-me para o hotel e iria levá-la à tal oficina.
Foi só à despedida que ela me perguntou:
-O seu nome?
-Mário....e o seu?
- Sofia

Depois de arrancar ainda vi, pelo espelho retrovisor, o seu aceno de adeus....

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