sexta-feira, maio 12, 2006

A 100 À HORA - Capítulo 6


Capítulo 6

Continuado por: Marta Luís
26 De Abril de 2006


… Teria eu realmente chegado mais cedo…?!
Teria aquele beijo vindo parar aos meus lábios, por vontade própria daqueles lábios que o meu antigo companheiro de faculdade, pelos vistos, andava a perder…?!
O pulsar de meu coração já nem tinha intervalos…à medida que Sofia me arrastava pela mão para a sala, meus braços perdiam forças, e eu ia tão depressa que quase corria atrás dela, mas estava realmente impotente, perante esse dilema que me assaltava:
Recuo em minha defesa, em defesa da amizade de outrora pelo Gabriel, ou deixo-me levar, por essa bela Sofia, e por uma vez, perco a razão, em nome do amor…?!
Senti-me nestes infindáveis segundos, percorridos entre a porta de entrada e a divisão seguinte, um taquicardíaco desesperado, à procura de uma plataforma onde segurar meu coração.

Acalma-te Mário, comandava eu os meus neurónios em pensamento… estás a imaginar coisas…a rapariga apenas está a ser simpática contigo, e a intimidade daquele beijo de boas vindas, se calhar é já tão simplesmente habitual, entre os amigos do casal…afinal, tu é que conheces o Gabriel, e de resto, foi ele quem te convidou desta vez, a estar aqui…

Logo eu tão racional, tão entregue ao que era justo e certo, levo à chegada para um jantar, com um delicioso beijo, de uma mulher irresistível, que me desnorteia…logo essa mulher…a mulher que ontem andou comigo na areia, a mulher que passei a noite a questionar ao destino o porquê de a atravessar no meu caminho, essa mulher de um conhecido do qual perdera durante anos o rasto e, que aparece do nada, sem avisar… como quem vem marcar o território.
Inconscientemente, sei até que, é a presença dele, ou neste momento a ausência dele, que me atiça ainda mais, este desejo inexplicável que sinto.
Sempre quisera ser tão bom quanto ele, e agora ali estava na minha frente, um dos seus tesouros, quem sabe, o seu maior tesouro, a esticar-me os braços…ou talvez não…
Acho que dormi pouco e, estou em perfeita dislexia de interpretação dos factos.

Uma doce voz que, já nada me é estranha, interrompe o meu divagar:
- Mário, nós temos que falar! …diz-me Sofia… Queres que te sirva algum aperitivo?

- Aperitivo…eu?!...pode ser… o que servires para ti, está bem…Mas, não esperas o teu marido?!

- Não brinques comigo… – Por momentos a sua expressão ficou muito mais séria, como que entristecida pelo meu comentário – Há meses, que não faço outra coisa…esperar pelo meu marido!...Ele depois bebe. Anda, vem comigo ao jardim…!

Mais uma vez me arrastava, aquela doce criança grande, loira, deslumbrante.
Agora de novo com um sorriso, movimentava graciosamente um rabo-de-cavalo enlaçado por pérolas brancas, mais bonita ainda que na noite anterior, num vestido de rosas de renda, suspenso por cordões de alças, e até abaixo do joelho. Renda azul feita à mão, e que lhe assentava como uma concha, deixando as suas formas tão generosas, parecerem tão naturalmente minhas…e estava descalça… tão sensualmente despida, de pés e mãos, uma nudez de membros apenas quebrada, pela tal da aliança, reparo.

- Anda…vem comigo ao baloiço…está naquela árvore, junto à piscina!

Só parecia um puto eu, sem saber que pedir a Deus: Se, tira-me deste filme, ou se, faz com que o anjo Gabriel se demore…

E, depois a casa de praia, tão simpática… aquela relva que só acabava no mar, ainda molhada, e que a rega brindara com água fresca este fim de tarde…e ela, a saltitar por ali…em direcção ao baloiço…em direcção a mais um pôr do sol…

- O Gabriel vai trazer comida pronta, e eu já preparei a mesa…não precisamos de mais nada lá dentro agora…vem…não queres vir? - Parou ela de repente.

E eu atrás dela, puxado, quase de rojo, que nem dois adolescentes no cenário mais improvável que alguma vez imaginara…parei de encontre a ela…foi como ter partido uma asa…caí ao embater naquela flor azul que perseguia, e que de repente parou sem fazer sinal, à minha frente…foi mais um acidente de percurso, mais uma vez estava com ela atravessada no meu caminho.

Senti o seu peito… O coração de Sofia batia tão depressa como o meu…e estávamos ali, num inicio de noite, final de tarde de sonho, numa casa como que uma cabana, ela descalça e eu de fato inteiro e gravata, e nos braços um do outro, para não irmos ao chão…as mãos dela, poisaram suavemente nos meus braços, e os seus olhos verdes, brilhavam quase incandescentes para os meus…

- Sofia… o Gabriel… balbuciei eu, … Tentava filtrar o convite que o seu olhar me lançava, tentava travar o seu queixo macio, que roçava o meu ombro, tentava esfriar esse ardor, que me invadia o corpo todo… mas não queria…

-Já equilibrados, e refeitos daquele pequeno embate, ela esticou um dedo até meu nariz, desceu devagar à minha boca, e disse: - Psiuuuuuu.

- Não fales no Gabriel…não tarda estará ele aí, a falar por todos nós. Fala, pelos cotovelos, e vai maçar-te com toda a sua investigação e os seus feitos… Pensei que, tivesses vindo para um fim-de-semana, só teu…sem compromissos...!

Voltou a levar-me pela mão, e sentou-se na tábua do baloiço, pendurada por duas grossas cordas num aparentemente frágil, mas resistente tronco, e esticou as pernas, levantou os pés e, lá vai ela, andando para trás e para a frente, como quem me hipnotiza neste balançar.

- E vim…tu é que tiveste um problema com o carro lembras-te?...pediste-me ajuda…
Pus-me atrás dela, como quem empurra uma criança e, depois de agarrar as cordas, ela prendeu com as suas, as minhas mãos.

- Foi o melhor problema que me aconteceu nos últimos tempos… se lhe quiseres chamar um problema!
E voltando o pescoço tão claro e , tentador, pareceu-me que esticava de novo seus lábios para mim…

Já nada me importava, nem a envolvente, nem o Gabriel…
Supostamente, qualquer outro homem não ficaria a pensar, nem uma, nem duas vezes, num momento destes, mas sem querer, sem saber como, sei lá porquê, ali passaram-me duas ideias pelo pensamento, e voltei a lembrar-me de duas caras, que há muito não me apareciam…
Meu pai (aquele que, morrera num acidente de mota com minha mãe, eles, que se despistaram os dois, depois de uma vida cheia de aventuras em que não precisavam de mais ninguém para ser felizes) … Meu pai, marcara-me aos catorze anos, dizendo-me: “Nunca magoes uma mulher, só assim te poderás prevenir, para que menos elas te magoem…!”
Deveria eu aceitar ser o refúgio, o conforto que Sofia procurava em mim, depois de me ter confessado que andava desiludida, com o seu casamento?...E logo agora, sabendo que o tal marido que está sempre distante, era o meu amigo Gabriel…?
Minha mãe, sim, minha mãe também me ensinara a ser forte e a dizer que não, ou que sim, entre muitas outras coisas, quando tentei iniciar as aulas de mergulho e, à primeira descida hesitei. Ela estava lá, no barco comigo, quando aos meus desasseis anos naquela manhã me disse: “Em tudo na vida filho, só deves dar um passo em frente, quando a vontade for maior que o medo!”...e foi assim que, desisti do mergulho, mas abandonei o barco de cabeça erguida, dizendo que, as profundezas do oceano, não foram feitas para mim.
Sim, foram os meus pais, que perdi em simultâneo, quando tinha os meus rebeldes vinte e dois anos, que mesmo tão pouco tempo comigo, me ensinaram a fazer as escolhas mais difíceis.
E agora, sentia a falta deles, neste preciso momento. Isto só poderia querer dizer, que realmente era importante, o que se estava aqui a passar.

Encostei os meus lábios aos seus, como se sempre o tivesse feito, como se há muito tempo fossem meus.
Já não tinha medo…só vontade, e sei que Sofia também.

- Ah estão aí… já está escuro…! Cheguei, … venham se não arrefece…!
Chamou uma voz desde o alçado envidraçado e aberto, que dá para o jardim, para a piscina, para o baloiço, para aquele mar, que se estende atrás de nós.

Sim, chegara o Gabriel…




… Continua...

A 100 À HORA - Capítulo 7


Capítulo 7

Continuado por: Orlando Dias Agudo



Gabriel chegara no momento certo. Não fosse o seu grito anunciando a sua chegada, e não sei se nossos lábios se desgrudariam tão cedo. Mesmo assim, ainda senti a sua língua explorando a minha boca, numa dádiva tão intensa quanto a fome de sorver meus lábios. Foi por pouco que Gabriel não viu aquele beijo...ou se viu, disfarçou muito bem...
Logo que deu sinal de vida, Gabriel voltou para casa, mais preocupado em arrumar tudo quanto trouxera do que em saber o que estávamos a fazer no baloiço do jardim. Sofia, nada incomodada com o facto do marido ter tido hipóteses de assistir ao beijo, saltou do baloiço qual criança mimada e desafiou-me a regressar ao casebre.

- Mário...gostei do sabor dos teus lábios...
- Eu também, mas nunca esperei que isto pudesse acontecer...
- Eu depois explico...deixa correr os acontecimentos...

Limitei-me a encolher os ombros. Deixei que ela pegasse outra vez na minha mão e me guiasse para casa. Desta vez íamos a passo e não trocámos mais nenhuma palavra. Sentia, isso sim, uma agradável pressão da sua mão na minha, como se segurasse alguma coisa que não queria perder. Nesta altura, eu já não raciocinava direito. Era capaz de deitar os princípios às ortigas e aceitar aqueles convites sucessivos para satisfazer os desejos que me invadiam. Mas, como Sofia me dissera...ia deixar correr os acontecimentos...

Chegados a casa, Gabriel estava a atender o telemóvel, enquanto alinhava tudo para o jantar. Era ainda cedo, por isso Sofia resolveu ir tomar um duche muito rápido enquanto me estendia o copo de whisky que ficara em cima da mesa antes de termos ido ao jardim. Enquanto Gabriel atendia o telemóvel, Sofia segredou-me que ia tomar um duche frio...não deixando de me piscar o olho num gesto provocador...

Entretanto Gabriel continuava ao telefone. Ouvia mais do que falava. Perguntou se não havia outra solução, olhou para o relógio e encolheu os ombros num gesto de resignação. Eu continuava a deliciar-me com o whisky que Sofia havia preparado. Quando finalmente Gabriel desligou o telemóvel, virou-se para mim e fez aquela pergunta que todos fazem em circunstâncias semelhantes:

- Meu caro, o que estás a beber?

Respondi e logo Gabriel começou a falar do seu trabalho. Sofia bem havia dito: “quando ele começa a falar das suas coisas, nunca mais se cala”...Passados alguns minutos, Sofia veio salvar a situação entrando de roldão na sala. Vinha deslumbrante, se é que algum do seu vestuário não a deixava sempre assim. Mas as calças justas deixavam antever o desenho das suas belas pernas, enquanto a blusa deixava adivinhar uns mamilos bem hirtos nuns seios suficientemente desenvolvidos para me agradarem.

- Amor, temos de jantar já porque surgiu um contratempo – e ao falar assim Gabriel não escondeu o desagrado que sentia...
- Contratempo? – perguntou Sofia – Era só o que faltava...O que é desta vez?
- Vamos jantar....depois digo....
- Não será melhor dizeres já? Para sabermos com que contamos?
- Está bem, eu digo; depois de jantar tenho de ir apanhar o avião para Lisboa, porque amanhã de manhã tenho de estar em Bruxelas.
- E vais no avião da noite?
- Sim...do escritório fizeram a reserva para o das 23:30. Temos portanto muito tempo para jantarmos e gozarmos da companhia deste meu amigo e antigo colega....

Se a noticia deixou Sofia aborrecida, não se notou. O jantar decorreu de forma normal, apenas com um protagonista. Gabriel falava por si e por mim mais Sofia. Nós trocávamos olhares , talvez mensagens indecifráveis, até que chegou a hora de Gabriel seguir para o aeroporto. É evidente que me ofereci para o levar. Só que Sofia teimou em ir também.

E fomos...Quando o deixámos no aeroporto, Sofia pediu-lhe para ligar quando chegasse a Lisboa, deu-lhe um beijo tão frio quanto se pode imaginar e ela quis assistir á descolagem do avião. Para ter a certeza, confidenciou-me...

De regresso ao carro, perguntei-lhe se queria ir a qualquer local beber um copo ou se preferia ir para casa. Respondeu-me que preferia ir para casa, pois esperava o telefonema do marido e...tinha muito para conversar comigo.

Não trocámos uma única palavra até estacionar o carro á porta da sua vivenda....


Continua...