terça-feira, janeiro 23, 2007

A 100 À HORA - Capítulo 17

Capítulo 17




Por Orlando Dias Agudo





















Não estava a raciocinar como devia. Tinha exagerado na conversa que tinha tido com Marlene, tinha exagerado no pedido que lhe havia feito, tinha exagerado ao pedir-lhe para ficar essa noite em minha casa. Em resumo: a minha vida, naquele dia era simplesmente um exagero. Era preciso acalmar, parar uns minutos para pensar e depois, mas só depois, actuar com racionalidade. Rumei até á beira-mar. Ainda bem que isso era possível numa cidade que era uma balbúrdia de trânsito. Quando parei o carro, desliguei o motor e perdi o olhar nas ondas que lambiam o areal. E pensei. Em tudo e mais alguma coisa…na Sofia e nos momentos de prazer que me proporcionou, no marido Gabriel que era a confusão em pessoa e também na Marlene. Essa Marlene que eu julgava conhecer bem mas que afinal era completamente desconhecida. Nos pensamentos não deixei de fora as tentativas que ela havia feito para me conhecer melhor fora do escritório e das artimanhas que havia inventado para não perceber esses seus avanços. Mas agora era tempo de resolver a embrulhada em que me havia metido.
Com as ideias já mais claras voltei para o escritório. Marlene ainda lá estava.
- Marlene, vamos conversar ?- propus quando entrei
- Sim…quando e onde quiser…
-Pode ser aqui tranquilamente no meu gabinete…
E dirigimo-nos para esse cantinho tranquilo que tinha a cidade como pano de fundo. Convidei-a a sentar-se e ela não se fez rogada. Cruzou a perna deixando antever um pouco da sua coxa que, reparava agora, até era muito bem feita…
- Marlene, há pouco exagerei um pouco. Disse coisas que não deveria dizer e portanto peço-lhe que esqueça tudo…
-Tudo mesmo?
-Sim…tudo, principalmente o ter de deixar de trabalhar aqui comigo.
(senti um leve sorriso na sua face…)
- Muito bem…e quanto ao que me havia pedido sobre o Gabriel?
- Mantenho o pedido mas o que lhe fiz anteriormente: ou seja, tentar arrancar-lhe tudo quanto sabe sobre a minha relação com Sofia.
-E isso obriga-me a dormir com ele?
-Não obriga nada; digamos que poderá chegar a esse ponto…se você o quizer…
- Essa parte é que não me agrada nada…sabe o Gabriel não faz o meu género…
- Então, se estiver de acordo, vai telefonar-lhe, marca um encontro com ele onde quiser, tenta saber o que eu quero e depois…depois falamos. De acordo?
- Sim…vou telefonar-lhe agora pois ele está esperando…
Marlene saiu do gabinete, foi telefonar e depois veio dizer-me que se iria encontrar com Gabriel nesse fim de tarde. Depois, quando tivesse terminado telefonar-me-ia a dar novidades.
Parecia mais aliviado. Tinha reparado uma injustiça e podia continuar a contar com o seu profissionalismo. Saí do escritório, fui jantar a um restaurante conhecido e ainda não eram 10 horas da noite quando fui para casa.
Tinha vestido já o pijama para ir dormir quando o telemóvel tocou…
-Sim…
-Sou eu Marlene…
- Já conversou com Gabriel?
-Sim…já tenho novidades para si…
-Óptimo…amanhã falamos?
-Não poderá ser ainda hoje? Tinha dito que esta noite ficava em sua casa…
-Marlene…eu já estou de pijama…
-E eu tenho o meu na malinha de mão…quer?
De repente passou-me pela cabeça a sua figura: alta, esbelta, com as curvas onde deviam estar, lábios carnudos que eram convite para outras aventuras…Depois de um minuto em silêncio, apenas disse:
-Venha…estarei á sua espera…

A 100 À HORA - Capítulo 16


Capítulo 16

Por Ricardo Carvalho



O dia corria devagar.
Incrível como o tempo pode ser o nosso pior inimigo.
A conversa com Marlene não se sai da cabeça. Como a solidão nos conduz a situações como a que ela se encontra… existe realmente algo de muito errado na forma como escolhemos deixar a vida acontecer.
Sempre olhei para ela como apenas mais uma figurante no meu dia a dia. Não podia evitar sentir-me pessimamente com toda a situação. Tinha notado, claro, os seus discretos “avanços”, mas trabalho é trabalho. E por alguma razão, sentia estar a passar ao lado de algo. Se calhar controlo-me demais. Complicado isto de um gajo ter princípios.
Mas ela portou-se pessimamente. Abusou da confiança e posição que usufruía e isso não podia ter outro fim que a obvia ruptura profissional, mal seja possível.
Raios! Que estou eu a fazer?! A obrigar alguém a “dar-se” em troca de quê?! Isto tudo está realmente fora de controle…
Tinha de falar com Sofia.
Enquanto pegava no telemóvel, sentia o coração bater mais forte, as mãos suadas meias a tremer…
Raios! Estava vulnerável, era essa a verdade.
Apesar de toda a sujidade em redor, pensar em Sofia mexia com ele. Um dia jurou nunca mais se envolver desta forma. E tinha caído numa armadilha daquelas.
Como podia ele fazer outra coisa? Tinha de se afastar dela antes de chegar ao abismo que se adivinhava bem perto.
Resolvi sair dali. As paredes começavam a fechar-se sobre mim e nada melhor que uns quilómetros de estrada para desanuviar. Engraçado. Tudo aquilo tinha começado exactamente lá, numa qualquer estrada…
-Marlene, pode chegar aqui um momento? Vou sair e preciso de lhe falar.
-Sim claro.
Ela entrou meio a medo e claramente toda a sua postura tinha sofrido uma mutação. Nada mais seria como antes e naquele instante sentiu um aperto no peito.
As palavras não saiam. A verdade é que não sabia como lhe falar agora que ela era mais uma peça na confusão que se tinha tornado a sua vida.
-Sabe, tenho a maior estima por si. Ou tinha. Mas não se pode voltar atrás. Muitas vezes bem queremos, e talvez… bom, o que eu quero dizer é o seguinte: a nossa relação profissional chegou ao fim. Não posso trabalhar com alguém que não confio, ou pior, alguém que fez o que a Marlene fez.
-Mas doutor…
-Espere, vai poder falar claro. Mas já decidi. O que lhe estava a impor é terrível, pior até do que a menina fez. Não posso nem devo. Peço desculpa, foi no ímpeto do momento. Agora, entende que não posso confiar em si. Procure um bom emprego, dou-lhe tempo e óptimas referencias. Mas não posso continuar. Preciso de alguém de confiança, como sabe. Olhe, de alguém como julgava que a menina Marlene fosse! Enfim, não terá dificuldades tenho a certeza.
-Mas…- suspirou, olhos no chão - eu entendo claro. Mas saiba que ia contar-lhe tudo, mas não conseguia. Lamento imenso doutor.
-Pois eu também. Adiante. Olhe, prepare você mesmo as suas referencias, eu assinho. Agora vou sair. Não me ligue. Quero o resto do dia para mim. Amanhã estou cá bem cedo. Alguma duvida menina Marlene?
-Não senhor doutor. E… obrigado. Mal tenha a minha situação resolvida dir-lhe-ei.
Desatei estrada fora ao som de “She”. O Costello sabe do que fala. Pena não ter encontrado alguém que lhe despertasse aquele amor de que ele fala…
Aquilo com a Sofia era pura estupidez! Sem nexo. Tenho de pensar bem nisto.
Estava a ser um parvo, um objecto. Sexo?? Não seria apenas isso?
Confusão.
E a historia do testamento, etc, tudo muito estranho. Algo estava muito errado.
Mas que…? O telemóvel? Escritório! Arre!
-Sim. Que se passa? Não disse que…
-Desculpe doutor mas é que recebi uma chamada do… não sei se devo…
-Fale mulher! Que raios!
-Do Gabriel. Ele quer falar comigo. E estava irritado. Perguntou-me o que se tinha passado hoje de manhã, e eu não sabia o que dizer e…
-Sim, já esperava. E que lhe disse afinal?
-Nada. Apenas que não sabia se podia sair hoje. Depois achei melhor contar ao senhor doutor. Desculpe tudo isto, eu…
-Calma. A menina é mais uma vitima. Olhe, eu trato dele. Ligue-lhe e marque um encontro no seu apartamento. Eu passo já aí no escritório. Hoje vai ficar na minha casa, pode ser? Esse tipo tem de me ouvir.
-Claro doutor. Como quiser.